
Em novembro de 1875, quando a então vila da Serra foi elevada à categoria de cidade, os sinos da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição tocaram alto para celebrar o marco. Naquele tempo, o catolicismo estava no centro da vida social, cultural e política do município. Na ocasião, o extinto jornal O Espírito-Santense estampou um texto assinado por um grupo de serranos influentes que comemoravam o feito. O texto se encerrava com a seguinte palavra de ordem: “Viva a Serra e viva a Igreja Católica!”. 3j5w1c
Mais de um século depois, a paisagem religiosa serrana vive uma profunda transformação: os evangélicos superaram os católicos e agora representam a maior parcela da população. Esse fenômeno reflete uma tendência nacional, marcada pelo crescimento do público evangélico e pela redução da presença católica — embora, no Brasil, os católicos ainda sejam maioria (caindo de 65% em 2010 para 56,7% em 2022/ já os evangélicos saltaram para 26,9% dos brasileiros em 2022, ante 21,7% em 2010).
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É o que revelam os dados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o levantamento, 40,11% da população da Serra se declara evangélica, enquanto 35,67% se identificam como católica apostólica romana. Isso significa que, dos 446.310 habitantes recenseados, 179.396 se declararam evangélicos e 159.547, católicos.
Já os moradores que afirmaram não ter religião somam 15,76% — a terceira parcela mais expressiva. O restante da população se divide entre outras religiosidades (7,01%), espíritas (0,73%), praticantes de Umbanda e Candomblé (0,58%), tradições indígenas (0,02%), além daqueles que não souberam ou preferiram não declarar sua fé (0,12%).
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A comparação com os dados de 2010 ajuda a dimensionar a mudança. Naquele ano, a Serra ainda era majoritariamente católica (40,2%), mas os evangélicos já despontavam com força, somando 39% (24,1% pentecostais e 14,9% não pentecostais). Pessoas sem religião representavam 16,4% da população com 15 anos ou mais. Ou seja, a virada evangélica já estava em curso e foi consolidada agora, em 2022.
Esse deslocamento religioso na Serra acompanha fenômenos sociais, migratórios e urbanísticos vivenciados nas últimas décadas. O crescimento populacional intenso a partir da década de 1960 trouxe à cidade novas comunidades e práticas culturais. A instalação de igrejas evangélicas em bairros periféricos e a atuação ativa de lideranças religiosas nas comunidades ajudaram a consolidar essa mudança. No campo oposto, o catolicismo, que historicamente ocupava uma posição hegemônica, ou a disputar fiéis em um ambiente mais plural e competitivo.
Além da mudança no número de fiéis, os dados de 2022 também revelam nuances importantes: as mulheres são maioria entre os evangélicos (55,56%), enquanto os homens predominam entre aqueles que se declararam sem religião (55,74%). Já em termos de raça ou cor, a fé evangélica tem forte presença entre pretos (41,73%), pardos (41,87%) e indígenas (45,24%), enquanto o catolicismo ainda predomina entre os brancos (42,96%).
A Serra que nasceu católica, cresceu evangélica e abriga, cada vez mais, um mosaico de crenças, reflete o dinamismo cultural e social do município mais populoso do Espírito Santo. A fé, embora diversa, continua sendo um elemento essencial na construção da identidade serrana — seja a fé secular, anterior à década de 1960, marcada por tradições fortes como as festas de São Benedito nas comunidades antigas de Pitanga, Nova Almeida, Manguinhos e Serra Sede; ou nesta Serra que emergiu com a industrialização, sendo empurrada para a urbanidade muitas vezes sem o devido acompanhamento do poder público. Em ambos os momentos, o que permanece inalterado é a importância estruturante da religião na vida social do morador serrano.
No Espírito Santo 3s2m46
De acordo com dados apurados pelo TN, ao contrário da Serra, a maioria da população capixaba ainda é católica, mas o fenômeno da queda no número de adeptos também se confirma nos dados gerais do estado. O Espírito Santo, historicamente de maioria católica, apresenta agora um cenário de maior equilíbrio entre os principais grupos religiosos.
Atualmente, 1.596.617 capixabas se identificam como católicos apostólicos romanos, o que representa pouco mais da metade da população recenseada. Esse número, no entanto, representa uma redução expressiva de quase 15% em relação a 2010. Em segundo lugar, aparecem os evangélicos, com 1.181.988 adeptos. O crescimento evangélico no Espírito Santo, embora constante, foi bem menos intenso do que o verificado especificamente na Serra. Em relação a 2010, o grupo evangélico no estado registrou um aumento modesto de apenas 1,5%. Ainda assim, católicos e evangélicos concentram a ampla maioria dos vínculos religiosos em solo capixaba.
A terceira maior parcela da população é composta por pessoas que afirmaram não ter religião, somando 385.418 indivíduos. Outros grupos religiosos também marcam presença no Espírito Santo: 124.959 pessoas se declararam vinculadas a outras religiosidades; 30.188 seguem o espiritismo; 14.113 praticam Umbanda ou Candomblé; e 1.035 indicaram vínculo com tradições indígenas. Além disso, 4.349 capixabas afirmaram não saber ou preferiram não declarar sua crença.
Em termos proporcionais, a Serra aparece apenas na 17ª posição entre os municípios capixabas com maior percentual de evangélicos. Embora esteja atrás de cidades como Santa Maria de Jetibá (73,53%) e Laranja da Terra (72,88%) em termos percentuais, a Serra é líder em números absolutos, com a maior população evangélica efetiva do Espírito Santo.
Embora não seja o foco habitual desta coluna, cabe um adendo: o alto percentual de evangélicos em municípios com forte presença da imigração europeia — especialmente alemã e pomerana, como Santa Maria de Jetibá, Laranja da Terra, Vila Pavão e Pancas — tem raízes históricas e culturais profundas.
Grande parte dos imigrantes que chegaram ao Espírito Santo a partir da segunda metade do século XIX, especialmente alemães e pomeranos, professava o protestantismo luterano. Vindos do norte da Alemanha e da região da Pomerânia, onde o protestantismo já era predominante desde a Reforma do século XVI, esses grupos trouxeram consigo suas práticas religiosas, que resistiram à hegemonia católica no Brasil e se mantêm vivas até hoje, influenciando diretamente o perfil religioso dessas cidades.
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• Entre os católicos apostólicos romanos, há um equilíbrio entre os sexos: 49,1% são homens e 50,9% são mulheres.
• Já no grupo dos evangélicos, as mulheres são maioria: 55,56% contra 44,44% de homens. Esse dado reforça uma tendência nacional já observada em levantamentos anteriores, de maior adesão feminina às igrejas evangélicas.
• No grupo dos que se declaram sem religião, os homens predominam: representam 55,74%, enquanto as mulheres somam 44,26%. Esse dado pode estar associado a uma menor identificação com estruturas religiosas formais entre os homens.
• Entre os brancos, 42,96% se identificam como católicos, enquanto 35,47% são evangélicos. Apenas 0,5% desse grupo segue Umbanda ou Candomblé.
• Já entre os pretos, há maior adesão ao evangelismo: 41,73%, contra 29,43% de católicos. Neste grupo, a prática de Umbanda e Candomblé é mais expressiva, com 0,82%.
• Na população parda, que representa uma parcela significativa dos moradores da Serra, 41,87% são evangélicos e 33,85% são católicos. A prática de religiões de matriz africana soma 0,54%.
• O grupo amarelo (pessoas de origem asiática) apresenta maior índice evangélico, com 57,12%, e 26,45% de católicos. Não houve registro de seguidores de Umbanda ou Candomblé entre os amarelos.
• Já os indígenas na Serra têm 45,24% de evangélicos, 31,27% de católicos, e uma expressiva proporção de 3,92% ligados a Umbanda e Candomblé — o maior índice entre todos os grupos raciais analisados.